27 junho 2022

Felismino José C da Costa

 



Foto com a data de 1953. Da esquerda para a direita Manuel, José Maria, Maria Eugénia, Felismino  José e Natália. Todos com o apelido da mãe (Encarnação).



AO INVÉS DE BRINCAR COM AS DEMAIS CRIANÇAS DA ALDEIA ERA RESPONSAVEL POR UM QUALQUER REBANHO DE OVELHAS …como pastor de ovelhas. Era uma pena vê-lo durante as férias escolares, ainda por volta dos seus sete anos/oito anos de idade, inseparável de uma saca de sarapilheira que nos dias de clima mais agreste usava enfiada na cabeça em jeito de capuchinho, cobrindo-o até aos pés …  

 

  O Felismino José veio a este mundo a 8 de Janeiro de 1944, no Pombalinho. Seu pai, Felismino Costa, não o chegou a conhecer, morreu com 34 anos de idade, seis meses antes do nascimento deste seu filho.

Sua mãe, Maria da Encarnação “Gaitas”, com a morte prematura do marido, ficou sozinha com o bebé Felismino e mais quatro filhos. Para se precaver das dificuldades da vida, com vistas à sobrevivência da família, socorre-se da ajuda de familiares e outras pessoas da terra.  Com o nascimento do bebé, valeu-lhe a  avó materna que do Felismino tomava conta sempre que havia lugar de trabalho assalariado no campo.

  A segunda guerra mundial grassava pelo mundo. Salazar racionava os principais géneros alimentícios ao povo português dando prioridade às exportações para Alemanha nazi. O pão, arroz, açúcar, bacalhau, massas, sabão, azeite, óleo, manteiga, café, cereais e farinhas, entre outros, só se adquiriam através de senhas de racionamento e não poucas vezes esgotados em todo ou em parte. Na população rural o problema agravava-se. A maioria das pessoas  apresentavam-se em estado de subalimentação.



NA PROCURA DE MELHOR SUSTENTO, VAI AO ENCONTRO DE  EMPREGO NA GRANDE CIDADE. 

O tempo passa e com 11 anos de idade, o Felismino José deixou a sua aldeia, o Pombalinho. Acompanha-o seu tio José Luís. O rumo é em direcção à grande cidade na esperança deste seu sobrinho vir a encontrar melhores condições de emprego e de vida.


Na rua dos Cavaleiros, em Lisboa, estava à sua espera numa tasca que ali existia o respectivo patrão de nacionalidade galega. Fernando era o seu nome. Dá-lhe a conhecer a localização do armazém com barris e pipas do vinho e mostra-lhe o lugar, por detrás deles, onde vai passar a dormir. 

  Na minha adolescência, nunca passou por mim a curiosidade de saber quem era o Felismino! Da sua naturalidade e origens familiares! Mas sou testemunha da sua responsabilidade com que organizava  o funcionamento na taberna/casa de pasto, situada na rua da Ribeira Nova, em frente às traseiras do Mercado da Ribeira, ao Cais do Sodré.

Recordo desse seu sentido de bem servir, enquanto esperava por ser atendido por ele ou pelo seu colega, duas a três vezes por semana pelo pires de café com as batatas fritas bem quentinhas, pago com o dinheiro resultante das gorjetas que eu recebia dos clientes da Robbialac, empresa situada numa rua ali bem perto - Nova do Carvalho.


TODAS AS MOEDAS TÊM DUAS FACES O ANO QUATRO ESTAÇÕES.

O estabelecimento era composto por mesas compridas, sempre repletas de estivadores e de trabalhadores dos serviços nas bancas do mercado, a comerem as refeições transportadas de casa ou a deleitarem-se pelos bons petiscos cozinhados na tasca. Só mais tarde, por via do namoro com a minha ribatejana (que viria a ser minha esposa), vim a saber que o Felismino era pombalinhense e  seu primo direito. Claro que a partir daí o pires de café com as batatas fritas bem quentinhas foi promovida a pires de chá sem custos acrescidos!

  Ficou há muito para trás o lugar onde ele dormia na rua dos Cavaleiros. O salário que recebia do galego, embora magro, dava para dormir num quarto alugado que partilhava com o seu colega. Aqui, já não havia colchão no chão em armazém rodeado de barris e pipas de vinho.

Alugava-o a Dª Engrácia, casada com um individuo com dias de posturas de mau feitio. A senhora na maioria das vezes optava pelo silêncio visando sobretudo a defesa da sua filha a Olga Maria, que a instruiu, quando a violência e a brutalidade aconteciam, a refugiar-se junto do Felismino.


A TROPA VEM AOS VINTE ANOS  O CASAMENTO AOS VINTE E SEIS.

Aos vinte anos de idade o Felismino deixa a grande cidade para cumprir o serviço militar, com a especialidade de cozinheiro no regimento de Infantaria nº 15 (RI 15), em Tomar. As dispensas aos fim-de-semanas permitiam-lhe uma presença mais assídua no Pombalinho, no reencontro com as suas raízes, a companhia da sua mãe, família e amigos. Enfim, uma conjuntura de vida bem mais pura.

  Era mais que obrigatório passar largos momentos na loja do António Narciso e por isso a oportunidade de ver e falar com a “menina da bata preta”. Cativava-o seu sorriso sempre simpático, o brilho do seu olhar, o mútuo interesse profissional do dia-a-dia acontecia nas instantes conversas com a jovem trabalhadora na mercearia e taberna do seu padrinho. O dia de escrever o bilhete a pedir namoro à “Júlia da Loja” chegou. De pronto foi aceite.

 

Correndo vão os meses do namoro, a tropa já ficou para trás, o trabalho na Rua da Ribeira Nova, em Lisboa recomeça e  as cartas entre os jovens apaixonados, Maria Júlia e Felismino, abundam.

Vinte e seis de Abril do ano de 1970 foi o dia traçado para o seu matrimónio. Com pompa e circunstância o evento é celebrado na igreja Matriz do Pombalinho, tendo como testemunhas o mais três centenas de convidados.

São padrinhos dos noivos, o casal Narciso, que logo oportunamente sugeriram que o Felismino José passasse a ser colega da “menina de bata preta” com a função de gerir a taberna, ficando a sua esposa com a encargo da mercearia.




Felismino à entrada do estabelecimento Narciso, no ano de 1979.



ESTE HOMEM BOM CHORA DE ALEGRIA NO MOMENTO ONDE A DOR E O AMOR SE MISTURAM COM CHORO DA BEBÉ

A responsabilidade de serem progenitores é uma vontade comum. Entendem que ter filhos é assumir responsabilidades e aceitar novos deveres. Não têm duvidas que tal intenção vem solidificar a união que juraram em casamento.

Três anos decorridos, uma enfermeira parteira da vila da Golegã é chamada de urgência à aldeia do Pombalinho, mais propriamente ao nº 15 da Rua de Santo António.






Os noivos Maria Júlia e Felismino Costa.



Tudo a postos e expectantes, com a roupinha a condizer, para receber o novo membro da família a quem se acostumaram em chamar de Rui Pedro. Um rapagão que a médica assistente nas consultas pré-natais opinava, justificado pelo tamanho e o forte bater do seu coração. Mas na hora tudo mudou o “rapagão” era uma bonita menina que passou a chamar-se Olga Isabel.

Recordo com sentimento e o maior respeito este Homem Bom. O Felismino José deixou-nos fisicamente a 11 de Março de 2009. Repousa em paz no cemitério da sua querida aldeia natal.

Até amanhã camarada.


Pombalinho, Junho de 2022

Raul Pica Sinos


Nota:

Este texto teve a colaboração de:

Maria Emília Pica Sinos – Prima

Natália da Encarnação – Irmã

Júlia Santana – Esposa

Na revisão do texto,

Manuel Gomes – Amigo e conterrâneo