A TROCA DE VIDA DA
GRANDE CIDADE PELA ALDEIA, FOI UM SONHO
ANTIGO QUE SE TORNOU REALIDADE.
Foi num outono, a
época do ano escolhida para trocar a azáfama da grande cidade pela calma e sossego
da aldeia do Pombalinho, situada em pleno coração do Ribatejo. A recuperação
física, a tranquilidade da mente e a luta por uma melhor qualidade de vida, conferiram
em muito as razões para a mudança. Mas não só. Não me custa reconhecer que o
pensamento era antigo. Ao longo dos anos, quando me ausentava da capital em
momentos mais frenéticos, saltava ao meu pensamento a vida na aldeia. As suas
gentes, os seus usos e costumes, os verdejantes campos, o silêncio diurno e nocturno,
o acordar com o chilrear da passarada, o cantar dos galos e o calor da lareira
em dias de inverno, tudo me fazia sentir saudades em crescendo e com a enorme
vontade de nela viver. E assim de facto acabou por acontecer.
TUDO TEM UM INÍCIO
Corria o ano de
1962. Era verão. No Calhariz de Benfica, em Lisboa, na casa daquele que viria a
ser meu sogro, sentado na sala reservada às refeições, era chegada a hora do
almoço para o qual eu tinha sido convidado. À mesa, a minha conversada Maria
Emília, D. Adelaide sua mãe e o chefe de família, o Sr. José Luís. Quando a
comida já fumegava na mesa, o chefe de família, olhando para mim, diz-me em tom
quase paternal:
…Já namoras com a minha
filha há cerca de dois anos. Eu e a minha mulher temos vindo a pensar que chegou o
momento de te dar a conhecer e apresentar à restante família no Pombalinho. É a
terra onde nascemos, crescemos e constituímos família. Se bem que a Maria Emília
tenha nascido numa quinta vizinha, em Mato do Miranda. E acrescentando sem
rebuço:
…Mas ficas desde
já avisado, para evitar os falatórios, não quero que andes de braços-dados, ou
com braço por cima dos ombros da rapariga, quanto muito de mãos dadas. A
chamada de atenção tinha a ver com a postura perante as gentes da aldeia.
Humildes é certo, educadas e trabalhadoras, mas à época, não era difícil de se
verem criticas aos os usos e costumes dos adolescentes das grandes cidades.
A VIAGEM
O momento
destinado à apresentação da família (a data não posso precisar) foi num fim-de-
semana, no verão desse ano. Na manhã de sábado, a partida do comboio da estação
de Braço de Prata, em Lisboa, foi bem cedo. Acomodado, meu olhar perdia-se na
paisagem que o caminho mostrava. O encanto do rio Tejo acima, terras ali-e-aqui
cultivadas, os pregões das vendedoras em apoio aos passageiros em algumas das
estações, tudo me extasiava. As duas horas do percurso foram feitas num ápice. Apeados
na estação de Virtudes/Mato Miranda, suportando as malas e demais bagagem, fizemo-nos
estrada fora, ladeada a maior parte por plantações de milho, trigo e extensos olivais.
O Pombalinho estava a três quilómetros.
OS “VIVAS” À MINHA
ESPERA
Na recepção, o viúvo, o Sr. Jerónimo, a Sr.ª Emília Serra e o Sr. Manuel Calado, seu marido, respectivamente
o pai, a irmã mais velha e o cunhado do meu
futuro sogro. Sorridentes estendem-me as suas mãos calejadas para me
cumprimentarem. O convidado é alvo de regozijo de todos. Mas o momento mais
alto estava para chegar. Era habitual os “cafés” e as tabernas serem
frequentadas pelos trabalhadores ao final da jorna. Sendo certo que aos
fins-de-semana, a azáfama era maior, o vinho jorrava com mais abundância, as
conversas sucediam-se, o fado à capela estava sempre presente:
Num
desses estabelecimentos, perto do largo da igreja, já no final da tarde, na
presença de outros familiares da Maria Emília, sobretudo primos, o seu tio
Manuel Calado, entusiasmado, não deixava que o meu copo ficasse vazio de vinho
branco, a tal ponto que só terminei de beber e de dar cumprimento ao “ritual”,
tarde demais!
Valeu-me o Emídio Narciso,
marido de uma prima da Maria Emília, a Natália Narciso que, se deu trabalho de
me segurar e amparar até casa no “porta bagagens” da sua bicicleta, Aqui, o Manuel
Calado, sorrindo, depois de mais um ou dois “fados”, insistiu na ajuda na
lavagem dos meus pés, no grande tanque existente no quintal. A cama estava por
perto. No dia seguinte, domingo, dia do retorno para Lisboa, sentia algum
mal-estar por via das
náuseas, da dor de cabeça, e das tonturas que teimavam em não parar. Tal não
foi a ressaca! Contudo deu para verificar quanto satisfeitos estavam todos por
me ter conhecido! Ao contrário, o José Luís, pai da Maria Emília, ficou fulo
quando constatou o novo tom da recente pintura no corredor da casa por via do
“néctar vomitado”, afirmando:
…Da próxima vez
que vieres ao Pombalinho, não te esqueças de trazer do teu emprego a tinta "Robbialac" necessária para pintares o corredor.
O casamento com a
Maria Emília Santos Luís Pica Sinos realizou-se nesta aldeia do Ponbalinho em 4 de Maio de 1969.
Pombalinho, 21 de
Novembro de 2019