Pelos caminhos da vida há
acontecimentos que se colam à nossa existência como se deles
precisássemos para, em momentos oportunos, compreeendermos melhor as voltas que
ela nos deu!
Diz-se, de quem já adquiriu
uma certa sabedoria nestas coisas filosóficas da vida, que há um tempo próprio
para tudo! Sinto que sim, que a frase faz todo sentido! Hoje pausadamente
contemplamos o que ontem nem com um fugaz olhar, achavamos que valia a pena!
Saboreamos a busca das palavras para ilustrarmos memórias, que nunca
esquecemos! E para nossa própria surpresa, ao reeditá-las,
revivemos de uma forma particularmente especial tempos que, apesar de
progressivamente distantes, nunca deixaram sentimentalmente de nos pertencer!
Eu era um rapazinho com uns cinco,
seis anos de idade, e grande parte do meu tempo disponível era dedicado às
brincadeiras, próprias de quem vivia numa aldeia de província! E quem é que nos
ensinava as manhas dos jogos próprios desta idade? Do berlinde, do jogo às
escondidas, do brincar aos cowboys e tantos outros divertimentos com que
a míudagem desses tempos se entretinha? Naturalmente os rapazes mais velhos! E
normalmente os da nossa rua ou os que nos fossem mais próximos por outras
quaisquer razões. Daí a tentativa, sempre que a possibilidade surgisse, para
esta aproximação estratégica.
E num belo dia de verão, eu
assim fiz. Alcancei nas proximidades da casa dos meus pais um grupo formado
pelo João Melão e pelos irmãos Alcides e Diamantino Vieira, e fui-me chegando
a eles na intenção de aprender algo sobre matéria que ainda não dominasse ou
fosse do meu desconhecimento! Só que os marotos não acharam graça nenhuma à
minha atrevida ousadia e logo trataram de me provocar um rápido e eficaz (vim
mais tarde a confirmá-lo) recuo das minhas intenções! Do que é que eles,
inconscientemente e sem se darem conta das consequências que essa atitude iria
provocar, se lembraram de fazer? Açularam-me
o "Portugal" ! Era um cão
enorme, corpulento e quase da minha altura! Servia de guarda à propriedade dos
pais dos irmãos Vieira, o saudoso José Vieira, “Cigano”, como quase toda a
gente o tratava. Ao ver o "Portugal"
vir na minha direcção com um ladrar característico de que coisa boa dali não vinha, só
tive tempo de fugir em corrida e para minha desgraça, na pior direcção
possível, pela Rua 1º Dezembro acima! É claro que não foram precisos muitos
metros de fugida para que sentisse no lado direito do meu tenrinho traseiro, os
dentes aguçados do maldito cão e uma consequente valente mordidela!
Depois de socorrido,
lembro-me perfeitamente de ir numa carroça até à Azinhaga e ser tratado onde
são hoje, penso não estar errado, as instalações da Misericórdia. Aplicaram-me na zona
afectada dois agrafes de alumínio com um alicate próprio, que era o método
clínico utilizado na altura para suturar feridas nessas condições,
deslocando-me mais tarde também ali para os tirar. Tudo isto sem anestesias ou
outro meio que evitasse a dor!
As marcas que eternizarão este episódio ainda "cá
estão", mas o "Portugal",
apenas resiste à memória dos meus tempos de menino atrevido, que se meteu onde
não era chamado! Mas hoje e fazendo o possível ajuste de contas com o tempo,
constato que imerecidamente paguei um preço demasiado elevado! Bolas!!!! Afinal
o que eu queria tão só, com os de maior idade, era aprender mais qualquer coisita!!!....